Quase chocando – o caos no Audiovisual brasileiro

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Os fatos recentes sugerem o avanço da censura a passos largos no Brasil. Senão vejamos.

O cancelamento do edital do Fundo Setorial do Audiovisual voltado às emissoras públicas, justamente após sabermos que vários projetos contemplados possuíam temáticas LGTBI, a contragosto do governo, e tendo seus títulos mencionados em uma live pelo presidente da República em 15 de Agosto passado, uma semana antes da divulgação do seu resultado, o que sugere que a ingerência de fato ocorreu. Bolsonaro mencionou as obras “Afronte”, “Transversais”, “Religare Queer” e “Sexo Perverso”. Cada obra receberia um valor de R$400 mil, considerado um montante de baixo orçamento.

Desde julho deste ano que Bolsonaro vem reafirmando querer impor “filtros” temáticos às produções audiovisuais que contenham recursos públicos e tenham os seus projetos acompanhados pela Agência Nacional do Cinema (ANCINE). Naquela época, o Presidente mencionou a obra “Bruna Surfistinha” como um mau exemplo, taxando-a como obra pornográfica. Lançada em 2011, o filme teve um grande sucesso de público e crítica, e realiza um retrato sobre as mazelas da prostituição e do consumo de drogas.

Em agosto de 2019, um edital de seleção de obras cinematográficas de ficção da BB DTVM (Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários), subsidiária do Banco do Brasil, trazia inéditas perguntas no seu formulário de inscrição sobre a existência de “cenas de nudez ou sexo explícito”, se a obra faz referência a crimes, drogas, prostituição, além de proibir  que o projeto possua caráter religioso ou promovido por entidade religiosa. O próprio Banco do Brasil teve que tirar do ar em abril um comercial no qual jovens negros, tatuados, LGTBI e meninos e meninas de diferentes perfis são exibidos na vida cotidiana, sem falas, após exigência de Jair Bolsonaro.

Dia 10 de setembro a diretoria colegiada da ANCINE decidiu, dentre outras coisas, suspender o Programa de Apoio Internacional, ação destinada a participação de filmes e projetos nacionais em eventos no exterior, além de participações em laboratórios e workshops internacionais, pagando a produção de cópias das produções para os eventos, deslocamentos e passagens aéreas.

Coincidência ou não, duas obras contempladas recentemente pelo programa são de notória vinculação a pautas combatidas pelo governo. Os filmes “Greta”, estrelado por Marco Nanini, e “Negrum3”, receberiam apoio para participarem do Festival Internacional do Cinema Queer.

Programado para 20 de Novembro, dia da Consciência Negra, o filme “Marighella” teve a sua estreia brasileira adiada, sem nova previsão, pois os produtores não conseguiram cumprir com os trâmites burocráticos junto à ANCINE. Além da Consciência Negra, o mês de novembro deste ano demarca os cinquenta anos da morta do biografado. Com distribuição da Paris Filmes, os recursos de produção e de comercialização da obra são provenientes do Fundo Setorial do Audiovisual. Recentemente, a Agência negara o pedido de reembolso de parte do dinheiro investido na produção do longa, no montante de R$1 milhão, além da negativa atual de adiantamento das verbas de comercialização, justamente para se garantir o lançamento do filme em novembro.

Não custa lembrar o perfil que Bolsonaro pretende para o próximo presidente da Agência Nacional do Cinema. Em declaração recente ele diz: “É Bíblia embaixo do braço e que saiba 200 versículos”.

A democracia precisa de pesos e contrapesos, demanda respeito às minorias e pluralidade e diversidade de ideias. A garantia de que os governos de plantão não se convertam em tiranias de plantão, destruindo políticas de Estado e esfacelando direitos e garantias fundamentais.

O ovo da serpente está sendo chocado. Depois, será mais difícil de conter o seu avanço. Não se transige com a censura. O primeiro ano do governo ainda não terminou e os sinais não são muito agradáveis.

#resistência

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