A coisa tá preta. O que você pensa quando lê ou ouve essa frase? Acha bom ou ruim dizê-la? Essa e mais um milhão de outras frases entram para o acervo comportamental, que inclui gestos, linguagens e atitudes que se pretendem evitar para não serem ofensivas ou exclusivas a determinados grupos. Muita gente tem chamado disso de comportamento politicamente correto.
Alguns acreditam que a prática de medidas politicamente corretas são capazes de tornar o mundo um lugar melhor e mais inclusivo. Afinal, foi com esse objetivo que o termo ganhou força no final dos anos 80 e início dos 90, nos Estado Unidos, embora já fosse utilizado antes principalmente por ativistas negros, gays, feministas e do movimento estudantil. Já nessa época, o termo também tinha conotação irônica por alguns grupos que chamavam pessoas de politicamente corretas como uma piada para chatear quem agia com retidão.
Lá pelas tantas, a nova direita passou a usar o termo para criticar professores acadêmicos considerados radicais em suas falas. Era, talvez, o início para a dualidade conotativa do termo. De um lado os preocupados em não ofender ninguém e trazer a inclusão, do outro os que demonizam o termo e o utilizam de forma pejorativa. Em cada um desses grupos, há vários subgrupos que enxergam e fazem uso do termo de diversas formas.
Quer um exemplo? A mesma frase que usamos no início desse texto e que, provavelmente você já ouviu ou disse com o significado de que algo não vai bem, aparece com significado oposto na letra de “ A coisa tá preta”, do rapper brasileiro Rincon Sapiência. Em um dos trechos ele canta: “Se eu te falar que a coisa tá preta, a coisa tá boa, pode acreditar”. Na cultura, na literatura, na internet, nos filmes, séries, no dia-a-dia, o exercício de ser consciente nas conversas sobre as diferenças está notavelmente mais presente.
Voltando um pouco a intenção dos que defendem o politicamente correto, vale uma ressalva aqui que não estamos falando do uso do termo e sim da prática de seu significado, acredita-se que a mudança de atitude passa por fases e aos poucos transforma a sociedade. No primeiro momento, espera-se que a pessoa seja tolerante, passando para uma segunda fase, a de legitimação, onde ela se abre para possibilidades e já fala sobre direitos, migrando para a terceira etapa, a de aceitação, quando reconhece que o preconceito existe até mesmo inconscientemente e está disposto a combatê-lo. Para esse grupo, alguém ser politicamente correto é sinal de progresso.
O problema parece surgir quando esse movimento é confundido como fórmula mágica para curar uma questão mais complexa de educação doméstica, como aponta o filósofo Luiz Felipe Pondé, e passam a querer dar conta de controlar o comportamento das pessoas com críticas e censuras tornando por vezes o debate uma grande chatice.
Pondé chama esse fenômeno de Praga Contemporânea (PC). Ele publicou alguns livros, artigos e entrevistas que tratam do tema. Em um deles, o “Guia Politicamente Incorreto da Filosofia”, descrito como ensaio sobre a filosofia cotidiana com teor provocativo, o autor apresenta várias situações e reflexões onde o politicamente correto é altamente posto em contradição ou questionado em sua forma de existir. Para ele, o problema é que a PC (como ele chama) acaba por criar uma agenda de mentiras intelectuais, filosóficas, históricas, psicológicas e antropológicas, a serviço do bem, gerando censura e perseguições nas universidades e nas mídias para quem ousa pôr em dúvida esses argumentos.
Na prática, esses ambientes politicamente corretos excluem quem recusa incluir os grupos na forma como “reza a cartilha” e as pessoas acabam permeadas pela dúvida e medo. Elas ficam sem saber qual o limite do que pode ou não dizer para não serem condenadas. Na dúvida se calam. Em países como Canadá, tido como um dos que mais se desenvolveu nesse sentido, o hino nacional teve parte de sua letra modificada com o intuito de se tornar mais inclusivo com a questão da igualdade de gênero. O verso modificado foi “verdadeiro amor patriota manda em todos os teus filhos” passando para “verdadeiro amor patriota manda em todos nós”.
E assim caminha a humanidade. Enquanto uns consideram atitudes como essa uma conquista e contribuição para um mundo mais justo, outros tantos consideram um exagero desnecessário sem efeito benéfico nenhum e um precedente para a censura e imposição do que é certo e errado com a promoção do constrangimento, que dificulta o pensamento de uma forma mais livre.